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domingo, 15 de novembro de 2009

Perturbações metabólicas

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O metabolismo constitui o meio pelo qual o organismo processa as substâncias necessárias para desempenhar as suas funções. Este processo pode ver-se alterado por diversos problemas causados, muitas vezes, por anomalias genéticas que provocam a ausência de enzimas específicos necessários para a estimulação dos processos metabólicos. Dependendo da perturbação, os efeitos podem ser graves ou moderados.



Problemas do metabolismo dos hidratos de carbono
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Os hidratos de carbono são açúcares. Muitos destes açúcares, além das conhecidas glicose, sacarose e frutose, encontram-se presentes nos alimentos. Alguns, como a sacarose, devem ser processados (metabolizados) por enzimas do organismo antes que possam ser utilizados como fonte de energia. Se os enzimas necessários para os processar não estiverem presentes, estes açúcares podem acumular-se, provocando problemas.

A galactosemia (valor elevado de galactose no sangue) é habitualmente provocada pela falta de galactose 1-fosfatouridiltransferase, um dos enzimas necessários para a metabolizar. Este problema surge desde o nascimento.

Um em cada 50 000 ou 70 000 bebés nasce sem este enzima. O recém-nascido parece normal ao princípio, mas ao fim de alguns dias ou semanas começa com perda de apetite e vómitos, além de icterícia e um crescimento anormal. O fígado aumenta de tamanho, aparecem quantidades excessivas de proteína e aminoácidos na urina, os tecidos inflamam-se e o corpo retém água. Se o tratamento se atrasar, as crianças afectadas apresentam uma estatura baixa, sofrem atraso mental e podem sofrer de cataratas. Na maioria dos casos desconhece-se a causa destes sintomas.

Presume-se que a galactosemia existe quando as análises de laboratório detectam galactose e galactose 1-fosfato na urina. O diagnóstico é confirmado pela ausência de galactose 1-fosfatouridiltranferase nas células do sangue e do fígado. Se o médico ou os pais apresentam, com preocupação, a possibilidade de galactosemia porque um familiar sofreu deste problema, esta pode ser diagnosticada ao nascer mediante uma análise ao sangue.

O leite e os produtos lácteos, fontes de galactose, devem ser eliminados completamente da dieta da criança afectada. A galactose também se encontra em algumas frutas, verduras e produtos do mar, tais como algas marinhas, que também devem ser evitados. No entanto, ainda não se sabe se as pequenas quantidades presentes nestes alimentos podem provocar problemas a longo prazo.

Uma mulher portadora de um gene que provoque este problema deve eliminar completamente a galactose da sua alimentação durante a gravidez. Se tiver um valor elevado de galactose, esta pode passar para o feto e provocar-lhe cataratas. As pessoas que tenham este problema devem restringir a ingestão de galactose durante toda a sua vida.

Se a galactosemia for adequadamente tratada, a maioria das crianças não sofre atrasos mentais. No entanto, o coeficiente de inteligência (CI) da criança afectada é mais baixo do que o dos seus irmãos e, frequentemente, tem dificuldade em falar.

As crianças têm muitas vezes um mau funcionamento (disfunção) ovárico durante a puberdade e durante a idade adulta e só algumas são capazes de conceber naturalmente.

As doenças por armazenamento de glicogénio (glicogenose) são um grupo de problemas hereditários provocados pela ausência de um ou mais dos enzimas necessários para converter o açúcar na sua forma de armazenamento, o glicogénio, ou para o converter novamente em glicose e ser utilizado como energia. Nas doenças relacionadas com o armazenamento de glicogénio, são depositados diferentes tipos ou quantidades anormais de glicogénio nos tecidos do organismo, principalmente no fígado.

Os sintomas são provocados pela acumulação de glicogénio ou seus derivados, ou então pela incapacidade de produzir glicose quando é solicitada. A idade em que se manifestam os sintomas e a gravidade dos mesmos variam consideravelmente de uma doença para a outra, devido ao facto de diferentes enzimas serem afectados em cada uma delas.

O diagnóstico faz-se examinando uma amostra de tecido, normalmente muscular ou hepático, que determina a falta de um enzima específico.

O tratamento depende do tipo de doença de armazenamento de glicogénio. Para muitas pessoas, a ingestão de várias refeições ricas em hidratos de carbono por dia facilita a prevenção de baixos valores de açúcar no sangue (glicemia). Para algumas crianças, a maisena crua de 4 em 4 ou de 6 em 6 horas durante o dia também pode aliviar o problema. Por vezes são administradas soluções de hidrato de carbono durante toda a noite, através de uma sonda que chega ao estômago.

As doenças de armazenamento de glicogénio têm tendência para provocar a formação de ácido úrico, um produto residual que pode provocar gota (Ver secção 5, capítulo 52) e cálculos renais (no rim). (Ver secção 11, capítulo 128) Muitas vezes é necessário um tratamento com medicamentos para evitar a sua acumulação. Em alguns tipos de doença de armazenamento de glicogénio, as crianças devem limitar a sua actividade física para reduzir as cãibras musculares.

A intolerância hereditária de frutose é um problema hereditário pelo qual o organismo não pode utilizar a frutose devido à ausência do enzima fosfofrutoaldolase. Em consequência, a frutose 1-fosfato, derivado da frutose, aumenta no organismo, interferindo na formação de glicogénio e na sua conversão em glicose para ser utilizada como energia.

Ao ingerir quantidades significativas de frutose ou de sacarose (açúcar de mesa), esta fragmenta-se no organismo, originando frutose e produzindo valores escassos de açúcar no sangue (hipoglicemia), além de suor, tremores involuntários, confusão, náuseas e vómitos; por vezes, dor abdominal, convulsões e estados de coma. A lesão renal e hepática e a deterioração mental podem produzir-se se a pessoa continuar a ingerir alimentos que contenham frutose.

O diagnóstico confirma-se examinando uma amostra de tecido hepático, com o qual se determina a falta do referido enzima. Os médicos também avaliam a resposta do organismo à administração de frutose e de glicose por via endovenosa. Os portadores (pessoas que têm um gene para um problema mas não sofrem dele) podem ser identificados mediante uma análise de ADN (material genético) comparado com o de quem sofre desta doença e também com o de quem não sofre dela.

O tratamento compreende a exclusão de frutose (normalmente presente em frutas doces), sacarose e sorbitol (substituto do açúcar) da dieta. Os quadros (ataques) de hipoglicemia tratam-se com comprimidos de glicose, um elemento que quem tem intolerância hereditária à frutose deve trazer sempre consigo.

A frutosúria é um quadro indemne pelo qual a frutose é excretada na urina. É causada por uma deficiência hereditária do enzima frutocinase. Uma em cada 130 000 pessoas, na população geral, sofre desta afecção. A doença não provoca nenhum sintoma, mas o elevado valor de frutose no sangue e na urina pode conduzir a um diagnóstico errado de diabetes mellitus. Não é necessário tratamento.

A pentosúria é uma doença inócua, caracterizada pela excreção de xilulose na urina, devida à ausência do enzima necessário para processar este açúcar.

Esta afecção produz-se, quase exclusivamente, na população judaica (a título informativo, nos Estados Unidos, 1 em cada 2500 judeus sofre dela). A pentosúria não provoca problemas, mas a presença de xilulose na urina pode conduzir a um diagnóstico errado de diabetes mellitus. Tão-pouco é necessário tratamento.


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Tipos e características das doenças por depósito de glicogénio
Nome Órgãos afectados Sintomas Enzima que falta
Tipo O Fígado, músculo. Fígado dilatado, com acumulação de gordura dentro das células hepáticas (fígado gordo). Crises de baixos valores de açúcar no sangue (hipoglicemia) em jejum. Glicogénio sintetase.
Doença de Von Gierke (tipo IA) Fígado, rins. Fígado e rins dilatados. Crescimento atrasado. Valores muito baixos de açúcar no sangue. Valores anormalmente elevados de ácido, gorduras e ácido úrico no sangue. Glicose-6-fosfatase.
Tipo IB Fígado, glóbulos brancos. Semelhante ao que acontece na doença de Von Gierke, mas pode ser menos grave. Escassa quantidade de glóbulos brancos. Infecções orais e intestinais recorrentes. Glicose-6-fosfato-translocase.
Doença de Pompe (tipo II) Todos os órgãos. Fígado e coração dilatados. Glicosidase lisossómica (vários tipos).
Doença de Forbes (tipo III) Fígado, músculo, coração, glóbulos brancos. Fígado dilatado. Baixos valores de açúcar no sangue. Lesão muscular em algumas pessoas. Sistema de enzimas desramificantes.
Doença de Andersen (tipo IV) Fígado, músculos,a maioria dos tecidos. Cirrose no tipo juvenil. Lesão muscular e problemas cardíacos no adulto (manifestação tardia). Sistema de enzimas ramificantes.
Doença de McArdle (tipo V) Músculo. Cãibras musculares durante a actividade física. Fosforilase muscular.
Doença de Hers (tipo VI) Fígado. Fígado dilatado. Crises de diminuição de açúcar no sangue em jejum. Muitas vezes, não se manifestam sintomas. Fosforilase hepática.
Doença de Tauri (tipo VII) Musculosquelético,glóbulos vermelhos. Cãibras musculares durante a actividade física. Destruição de glóbulos vermelhos (hemólise). Fosfofruto-quinase.



Problemas do metabolismo do piruvato
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O piruvato forma-se ao processar carbo-hidratos, gorduras e proteínas. Os problemas hereditários relacionados com o processamento do piruvato podem provocar uma ampla variedade de problemas.

O piruvato é uma fonte de energia para as mitocôndrias, componentes celulares geradoras de energia. (Ver imagem da secção 1, capítulo 1) Um problema relacionado com o metabolismo do piruvato pode perturbar a sua função, provocando qualquer variedade de sintomas, como dano muscular, atraso mental, aumento do ácido láctico, que origina um excesso de ácido no organismo (acidose) (Ver secção 12, capítulo 138) ou falhas no funcionamento de um órgão, como o coração, os pulmões, os rins ou o fígado. Tais problemas podem aparecer em qualquer momento desde a infância ao estado adulto. O exercício físico, as infecções ou o consumo de álcool podem piorar os sintomas, provocando acidose láctica grave, com cãibras musculares e debilidade.

A carência do complexo piruvatodesidrogenase, grupo de enzimas necessários para processar o piruvato, origina valores insuficientes de acetilcoenzima A, um elemento essencial para a produção de energia. Os sintomas principais podem ser actividade muscular lenta, coordenação escassa e problemas de equilíbrio graves que praticamente impedem de andar. Além disso, também podem surgir ataques, atraso mental e deficiências cerebrais. Este problema não tem cura, mas uma alimentação com alto teor de gorduras é útil para certos doentes.

A ausência do enzima piruvatocarboxilase interfere ou obstrui a produção de glicose no organismo. O ácido láctico e as acetonas (Ver secção 13, capítulo 147) acumulam-se no sangue, provocando náuseas e vómitos. Esta doença é frequentemente mortal. A síntese de aminoácidos, componentes básicos das proteínas, também depende deste enzima. Quando este falta, a produção de neurotransmissores (substâncias que transmitem impulsos nervosos) vê-se reduzida, derivando numa variedade de sintomas neurológicos, incluindo o atraso mental grave. Os baixos valores de açúcar (hipoglicemia) e o aumento de ácidos no sangue (acidose) podem ser aliviados mediante a ingestão de alimentos ricos em hidratos de carbono, mas não existe nenhum meio de repor a ausência de neurotransmissores nos sintomas neurológicos. Uma alimentação restringida em proteínas pode ser útil em algumas pessoas com doença mais ligeira.



Problemas do metabolismo dos aminoácidos
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Os aminoácidos, pilares básicos das proteínas, desempenham diversas funções no organismo. Os problemas hereditários do processamento de aminoácidos podem ser devidos a deficiências tanto no processamento dos mesmos como no seu transporte para as células. Muitos destes problemas, incluindo a fenilcetonúria, foram identificados. Em alguns países, protegem-se os recém-nascidos da fenilcetonúria e também de outros problemas metabólicos.

Fenilcetonúria

A fenilcetonúria (FCU, fenilalaninemia, oligofrenia fenilpirúvica) é um problema hereditário no qual o enzima que processa o aminoácido fenalanina se encontra ausente, provocando um valor alarmantemente alto de fenilalanina no sangue.

A fenilalanina transforma-se normalmente em tirosina, outro aminoácido, eliminando-se do organismo. Sem o enzima que a transforma, a fenilalanina acumula-se no sangue e é tóxica para o cérebro, provocando atraso mental. A fenilcetonúria está presente na maioria dos grupos geográficos, mas é rara na população judaica de descendentes europeus orientais e na negra. A incidência é de aproximadamente 1 em cada 16 000 nascidos vivos.

Sintomas

Os sintomas da fenilcetonúria não se manifestam normalmente nos recém-nascidos. Só em alguns casos o bebé fica sonolento ou come pouco. Os bebés afectados têm tendência para ter a pele, o cabelo e os olhos mais claros do que os membros da família que não sofrem deste problema. Alguns apresentam uma erupção que parece eczema. (Ver secção 18, capítulo 194) Se não for tratada, os afectados depressa desenvolvem determinado grau de atraso mental, normalmente grave.

As crianças que sofrem de fenilcetonúria não diagnosticada ou não tratada apresentam sintomas que consistem em ataques, náuseas e vómitos, comportamento agressivo ou tendência para se autolesionarem, hiperactividade e, por vezes, sintomas psiquiátricos. As crianças afectadas muitas vezes cheiram a rato devido à presença de um derivado da fenilalanina (ácido fenilacético) na urina e no suor.

A fenilcetonúria numa mulher grávida afecta profundamente o feto em desenvolvimento, causando-lhe muitas vezes atraso mental e físico. Muitos bebés sofrem de microcefalia (cabeça anormalmente pequena, que conduz ao atraso mental) e doenças cardíacas. O controlo rigoroso do valor de fenilalanina da mãe durante a gravidez tem frequentemente um resultado normal para o feto.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico precoce confirma-se quando se detecta um valor elevado de fenilalanina ou um baixo de tirosina durante o controlo de um recém-nascido. Se a fenilcetonúria se encontrar presente na família e se dispuser de ADN de um membro afectado, pode-se fazer uma análise de amniocentese ou um estudo de vilosidades coriónicas (Ver tabela da secção 22, capítulo 242) com análises de ADN para determinar se o feto contraiu a afecção.

O tratamento consiste em limitar a ingestão de fenilalanina, embora não deva ser completamente eliminada. Consumir suficiente proteína sem exceder a quantidade aceitável de fenilalanina é impossível, visto que todas as fontes naturais de proteína contêm aproximadamente 4 % de fenilalanina. Por conseguinte, em vez de leite e de carne, o enfermo deve consumir uma variedade de alimentos sintéticos que proporcionam os outros aminoácidos. Podem ser ingeridos alimentos naturais com poucas proteínas, como frutas, verduras e quantidades restritas de certos cereais em grão. Existem produtos sem fenilalanina, que contribuem para controlar a quantidade de aminoácido ingerida, dando à pessoa um pouco mais de liberdade para comer alimentos naturais.

A ingestão de fenilalanina deve ser limitada desde as primeiras semanas de vida para prevenir o atraso mental. Esta dieta, iniciada prematuramente e mantida de forma adequada, facilita o desenvolvimento normal e evita o dano cerebral. No entanto, se não se mantiver um controlo muito rigoroso da mesma, as crianças afectadas podem ter dificuldades na escola. As restrições dietéticas que começam aos 2 ou 3 anos de idade só podem controlar a hiperactividade extrema e os ataques. A interrupção da dieta especial, quando o desenvolvimento cerebral é quase completo, foi em determinado momento considerada apropriada, mas vários relatórios sobre o desenvolvimento da aprendizagem, sobre os problemas de comportamento e sobre uma diminuição da inteligência têm feito com que esta teoria seja revista. A maioria dos médicos considera, hoje em dia, que uma dieta restrita em fenilalaninadeve ser mantida por toda a vida.

FONTE: http://www.manualmerck.net/artigos/imprime.asp?id=293&cn=1550

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